quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Devaneios: Como Alberto Caeiro degustaria um vinho?


Hoje saí de casa bem cedo para ir viajar. Fui pegar avião a trabalho. Extraordinariamente chequei cedo no aeroporto e pude dar uma sapeada na Livraria Laselva da sala de embarque de Congonhas. Como fui apenas fazer uma audiência e ver alguns processos levei somente um caderninho no paletó, dispensei a pasta – muito melhor viajar sem precisar carregar nada.
O lado ruim é que percebi que não tinha levado nada para ler nas esperas que teria ao longo do dia (no aeroporto, no avião, no fórum aguardando a audiência, no aeroporto de novo e no avião da volta). Assim resolvi comprar um livrinho de bolso, teria o que ler e não teria que carregar nada.
O primeiro livreto que me chamou a atenção tinha o título: “Tudo que você precisa saber sobre vinhos” (ou algo parecido). Compulsei vorazmente o pequeno volume e logo compreendi que se tratava de uma espécie de auto-ajuda para se tornar um “enoentendido”. Dissertava sobre os tipos de vinhos, tipos de uvas, o modo “certo” de servir cada vinho, a temperatura “certa”, a comida “certa”, como fazer para degustar “corretamente” etc., tinha até um capítulo dedicado ao “jargão” dos “degustadores de vinhos” com uma espécie de glossário.
Embora seja um entusiasta por vinhos o livreto não me interessou. Saí então em busca de um outro título que trouxesse uma leitura casual, que não fosse contínua, que eu pudesse ler em pílulas. Deparei-me com um batidíssimo volume com as principais poesias de Alberto Caeiro, o poeta “guardador de rebanhos” inventado pelo gênio e também poeta Fernando Pessoa (isso é que é metalinguagem: o poeta que por poesia inventa outro poeta, coisa de gênio mesmo).
Só no vôo de volta consegui tocar no livrinho, na ida dormi e nas demais ocasiões previstas não tive tempo suficiente sequer para tirá-lo do plástico. Fiquei então imaginando: como esse curioso poeta inventado, com sua visão de mundo peculiar, "degustaria" um vinho?
Obviamente que não encontrei uma poesia nesse sentido, mas encontrei diversas outras que nos dão algumas dicas. Especialmente na poesia chamada “O Meu Olhar”, em que o poeta fictício descreve como vê a natureza, fica claro o que para ele seria importante no ato da “degustação”. Vejamos o que o o poeta nos ensina:

O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails